Saturday, October 14, 2006

Das duas, uma.

Hoje trago ao meu Blog um raciocínio potencialmente válido que constitui o célebre binómio vulgo designado “das duas uma”:

Uma: estou a recusar a chegada à idade adulta, a limitar a minha independência por meio de não querer aprender a conduzir. Para dizer a verdade tenho até medo: como nunca consegui jogar à bola, acertando-lhe, como nunca consegui jogar um jogo de computador, atingindo alvos com tiros ou derrotando o Boss, também não vou conseguir conduzir um automóvel. Estou a evitar algo inevitável, que é conduzir um automóvel - meio para ir onde quiser quando quiser e subir na vida. Estou com medo e sou fraco.

Duas: sou um cidadão consciente. Os automóveis estão a destruir o planeta, as cidades e as pessoas e eu uso transportes públicos. E amo transportes públicos: apercebi-me disso quando o repórter da RFM me abordou, numa entrevista que o Fado ditou me calhar numa movimentada rua lisboeta: “quais são as duas coisas que mais gostas no mundo, não vale dizer ‘a família’?” e sem pensar muito respondi “música e autocarros da Carris”. Talvez um dia tente fazer música com autocarros da Carris. O carro é acima de tudo a marca de um estatuto social com o qual não me identifico: de óculos escuros ao volante de um Ferrari, ser observado e venerado com um Ahhh de estupefacção. Mostrar as habilidades ao volante, conhecer os melhores lugares para estacionar, ir buscar a namorada a casa e buzinar ao chegar... coisas que não em sinto capaz de fazer. Não quero conduzir um carro e por isso sou forte. E posso sempre sentar-me no autocarro e pensar que estou no teatro:

XIX.

Quando me sento no banco do autocarro
Sinto-me feliz por ninguém cobiçar
O meu lugar
Faço dos carros e das ruas umas lindas paisagens
E quando me levanto para sair
Tenho sempre a ideia
De que o banco se vai recolher
Cautelosamente
Subitamente
Sorrateiramente
Como se todos estivéssemos num teatro.


XX.

Estava então eu no teatro
E quando o banco se recolheu
Solicitamente
Pensei que estava no autocarro.