Sunday, April 02, 2006

O meu Dia da Defesa Nacional

Fui convocado por Edital da Junta de Freguesia a deslocar-me à Base Naval do Alfeite a fim de cumprir, nos termos da lei, o meu segundo dever Militar – comparecer no meu Dia da Defesa Nacional. Muito gentil é a Câmara Municipal que me disponibilizou a mim e aos meus colegas mancebos (do latim mancipiu – “prisioneiros de guerra”) um par de autocarros para nos transportar via Ponte 25 de Abril, até Almada. E eu que pensava que teríamos de atravessar o rio a nado (coisa de homem!), ou tripular uma embarcação da Marinha e gritar bem alto o nome de Portugal! Mas não: sentei-me confortavelmente no meu lugar a ver a paisagem, o rio do alto dos 49 metros do tabuleiro da ponte, aproveitando para recordar nostalgicamente as manhãs nubladas de Maio em que ia com os amigos do jardim-escola à praia da Costa da Caparica, quando era pequeno. “Só falta aqui a minha Sandwich de ovo mexido, o meu Bongo Tutti-fruti e um cheiro intenso a protector solar” – pensei eu. É bonito recordar os tempos da infância, e anos depois, feito um cidadão consciente, verificar que pouco ou nada mudou: meninos da minha idade, no autocarro, para o passeio de Primavera... Os bons momentos são sempre (ou muitas vezes) interrompidos bruscamente, com a buzina da realidade: o senhor informava-nos atenciosamente que não era permitido consumir haxixe nem no autocarro nem nas instalações da Base Naval. O meu desconsolo foi imenso: e eu que pensava que se aconselhava o consumo do estupefaciente neste dia de festa, presenteando-nos com alguma liberdade, em Defesa da Nação!
O içar da bandeira, ao som da já célebre gravação roufenha da trombeta desafinada, deve fazer-se sem chapéus na cabeça, e com cara de frete, bem vincada. O processo é pouco moroso, mas envolve alguma concentração, talvez resultado do requinte protocolar com que o antevemos.
Seguiu-se uma palestra sobre a temática da Defesa Nacional. Aquilo que eu pensava resumir-se a “tropa”, foi-me dado a conhecer como um conceito muito mais extenso e sublime: todos nós, como cidadãos, contribuímos com as nossas actividades para a defesa da identidade, dos interesses e da cultura nacionais, numa orgia de patriotismo, de solidariedade, entre outros sentimentos nobres. Um cheirinho de abstracção fica sempre bem, naquilo que eu pensava ser o intelecto impenetrável e asselvajado de um tenente. Era um senhor licenciado em Comunicação Social, numa universidade do mundo civil, e que encontrou a excelente oportunidade de garantir “a vida até à morte”. Fiquei a saber que o Estado concede aos militares muitas regalias: comida e dormida por conta, vencimento mensal chorudo, a possibilidade de cair na ociosidade e deixar-se ficar barrigudo. Pode-se sempre tomar banho de água quente durante várias horas porque quem paga o gás é o Estado. Mas há sempre a maçada das Missões. De vez em quando os militares são enviados para passarem apresentações de Powerpoint e dissertar em tom obsceno, publicamente, na língua do país que juraram defender, mesmo que para isso ponham em risco a própria vida ou a correcção gramatical. Os meus olhos brilharam quando se falou que nas forças armadas são também admitidos músicos "Á marinha, podem também candidatar-se músicos. Especialmente indicado para quem sabe fazer umas habilidades com o instrumento. Para além do instrumento que nós todos temos, e tocamos." Deixem-me ver se percebi a piada do senhor oficial, deve ter algo de abstracto e profundo... é um trocadilho com o pénis? Pensava que a Sandwich e o Bongo de Tutti-fruti tinha ficado no passado: mas o lanche veio confirmar a desconfiança que o discurso do militar me trouxe. Regredi: sou de novo uma criança encantada, na minha fase genital...

Somos muitos nesta sala! Cerca de 80 jovens, oriundos dos distritos de Lisboa e Setúbal. Porque é que as mulheres não tem também o direito de ouvir o que aqueles encantadores senhores fardados têm para nos dizer sobre a Nação e a sua Defesa, sobre as múltiplas saídas profissionais que as Forças Armadas nos oferecem? Porque gasta tanto dinheiro o Estado, neste sermão de santo António... aos Peixes? Aos submarinos ferrugentos?

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